O Tiro e o Cemitério

XLV

O TIRO E O CEMITÉRIO

À vista do cemitério, Bar, — “Singular letreiro”, disse consigo mesmo nosso caminhante, “mas bem-feito para dar sede! Com certeza o dono deste cabaré sabe apreciar Horácio e os poetas discípulos de Epicuro. Talvez mesmo conheça o profundo refinamento dos antigos egípcios, para quem não havia um bom festim sem esqueletos ou sem qualquer emblema sobre a brevidade da vida.”
E ele entrou, bebeu um copo de cerveja diante dos túmulos e fumou lentamente um charuto. Depois, a fantasia levou-o a descer a esse cemitério, cuja grama era alta e convidativa e onde reinava um tão rico sol.
Efetivamente, a luz e o calor eram terríveis e podia-se dizer que o sol ébrio, deitado, espojava-se sobre o tapete de flores magníficas engordadas pela destruição. Um imenso rumor de vida enchia o ar — a vida dos infinitamente pequenos —, cortado a intervalos regulares pela crepitação dos tiros de um estande vizinho que estalavam como a explosão de rolhas de champanhe no murmúrio de uma sinfonia em surdina.
Então, sob o sol que lhe esquentava o cérebro, e numa atmosfera de ardentes perfumes da Morte, ele ouviu uma voz cochichar sob a sepultura onde ele estava sentado. E essa voz dizia: “Malditos sejam seus alvos e suas carabinas, turbulentos seres vivos que se preocupam tão pouco com os defuntos e seu divino repouso. Malditas sejam suas ambições, malditos seus cálculos, mortais impacientes, que vêm estudar a arte de matar perto do santuário da Morte! Se vocês soubessem como o prêmio é fácil de ganhar, como o alvo é fácil de alcançar e quanto tudo é nada, exceto a Morte, vocês não se cansariam tanto, laboriosos viventes, e incomodariam menos vezes o sono daqueles que, há muito tempo, acertaram o Alvo, o único verdadeiro Alvo da detestável vida.”

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